quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Eu, Nuno...Seminarista

A Semana dos Seminários celebra-se de 7 a 14 de Novembro. Estamos, em pleno, na vivência deste tempo forte. Sabemos que há duas grandes casas (Seminários de Alcains e de Portalegre) na Diocese de Portalegre-Castelo Branco, mas estão vazias, não têm Seminaristas. Fomos ao encontro do Nuno, um dos Seminaristas Diocesanos, em estágio pastoral na paróquia de S. Miguel, em Castelo Branco.
1 – Secretariado Diocesano das Missões – Nuno, diz-nos quem és?

Nuno - Dizer quem sou! Bem, acima de tudo, um rapaz apaixonado pela vida que se foi descobrindo com o tempo apaixonado por Deus! Rapaz humilde, simples, que se deixou cativar pela profundidade de uma amizade com Deus. Um rapaz que compreendeu no projecto a que Deus o desafiava, o caminho de viver a sua vida de modo plena e livre, dedicando-se àquilo que sentia fazer mais sentido: a Deus e ao Mundo. Amante da vida (procura) valoriza o melhor de si em todos os seus momentos. Rapaz do seu tempo, e por isso com gostos semelhantes aos dos jovens de hoje. A família e os amigos são fundamentais e importantes na pessoa que é. Gosta do mais simples que se possa pensar: ler, ir ao cinema, ouvir música, fazer desporto, passear… Os meus amigos dizem que sempre se pode contar com ele! O Nuno não simpatiza com atitudes que não respeitem os outros: falta de seriedade, mentira, injustiça… atitudes estas com as quais tem dificuldade de viver. Rapaz teimoso, mas é simpático e bem disposto. Apesar de precisar de algum espaço e algum silêncio para si, para o seu encontro com Deus, não reconhece a sua vida longe das pessoas, são elas a razão da sua entrega a Deus e à Igreja… como se pode ver, rapaz simples.
A descoberta da vocação

2 – SDM – Quando e como descobristes que Deus te chamava? Como foi a tua ida para o Seminário?
Nuno - Pelos meus 21 anos vivi um tempo de grandes movimentações na minha vida. Surgiram, nesse tempo, algumas decisões que há muito aguardava assumir. Após várias aventuras e desventuras era um novo impulso, como se alguém me puxasse para a frente para reencontrar caminhos no realizar dos meus projectos de vida. Os meus projectos de vida, naquele tempo, não passavam por ir para o seminário, muito longe de pensar tal coisa. Foi um tempo de reaproximação com a vida da paróquia, com os vários dinamismos, com a Igreja da qual me havia afastado após os meus 18/19 anos. Estas realidades acabariam por me (re) lançar para uma relação de amizade mais próxima com Deus. Foi no caminhar com a paróquia, (onde o grupo de jovens teve a sua importância) e com Jesus Cristo que comecei a sentir mais viva a presença de Deus “nas minhas coisas”. A Sua presença era cada vez mais forte e assim, dia após dia, Deus ia ganhando maior expressão na minha vida, naquilo que eu era. Numa Eucaristia Dominical, no momento da escuta da Palavra de Deus e aquando o comentário do sacerdote às leituras, dei comigo a questionar-me. Olhava a minha vida e todas as mudanças que tinha até então sofrido. Percebia que a proximidade com Deus tinha mudado a minha forma de olhar a vida e que essa proximidade tinha-se tornado medida para as decisões mais simples do meu dia a dia. Esse facto levava a que a minha gratidão para com Deus fosse cada vez maior, aumentando o desejo de poder estar cada vez mais próximo Dele. O sinal de alerta aconteceu quando comecei a compreender mudanças profundas nas minhas prioridades de vida…aí os meus projectos já não estavam cheios de certezas. Foi na participação contínua e atenta da Eucaristia e na presença assídua junto do grupo de jovens da Paróquia, que a interrogação acerca do ser Padre foi aparecendo, acima de tudo na escuta da Palavra de Deus. Sentia-me cada vez mais desperto e mais sensível às “provocações de Deus” para ser Padre! As minhas primeiras reacções face a essa inquietação foram de ironia, negação e fuga. Rezava a provocação com Deus e dizia-Lhe que não compreendia o que se passava comigo, que aquelas ideias, então “descabidas”, não faziam muito sentido. Dos risos e ironias ao desejo de Deus foi um instante. Os nossos diálogos iam sempre ao encontro do “ser Padre” e interiormente as coisas começavam a ficar mais difíceis. Os meses passavam e a provocação ganhava outra expressão levando-me à negação sobre uma possível chamada a seguir Jesus… até que não consegui fugir mais e Ele… abraçou-me com tanta força que não consegui negar por mais tempo o seu convite a ser Seu discípulo. Dois anos depois, e após uma caminhada de acompanhamento com um sacerdote amigo, entrava no seminário de Leiria para um tempo longo de recolhimento, oração e reflexão acerca desse projecto ao qual Deus me chamava, Ser Padre! Foi um dos muitos anos marcantes da minha vida!
3 – SDM – Como foi a tua caminhada até este momento, quando te preparas para, em breve, dares o teu sim definitivo, no sacerdócio?

Nuno – Depois de viver um ano em comunidade no Seminário de Leiria e de aí compreender que Deus me chamava a um tempo mais longo de discernimento acerca do desafio de ser Padre, segui para Coimbra. Em Coimbra, entrei para o Seminário Maior onde vivi numa comunidade mais alargada e para a faculdade, onde estudei a Filosofia e a Teologia. É a formação, a par de muitas outras dimensões, que é necessária para a formação do Padre de hoje, no meu caso Padre Diocesano. Formação esta para melhor acompanharmos a sociedade cristã e responder aos desafios que as comunidades colocam. Vivi no Seminário Maior de Coimbra durante cinco anos. Foram tempos onde a reflexão, a pesquisa, o estudo, a vivência comunitária, o lazer, mas principalmente, o tempo de relação e proximidade com Deus, me ajudaram a fortalecer o chamamento que Deus me fazia a ser Padre. Como em todos os caminhos, houve momentos muito bons e momentos não tão positivos, mas todos eles, momentos que jamais esquecerei e que se revelaram importantes para a minha entrega de todos os dias a Deus e à Igreja. É uma entrega de todos os dias que desejo que se torne numa entrega total, logo que me sinta preparado e a Igreja me ache digno de a servir! Terminados os meus estudos académicos, o nosso Bispo D. Antonino colocou-me na Paróquia de São Miguel da Sé, em Castelo Branco, para realizar o meu estágio pastoral. No presente momento, procuro acompanhar e ajudar os sacerdotes nas especificidades e dinamismos da paróquia, procurando compreender o que a envolve e assim crescer neste serviço de ser Padre Diocesano, ao qual me sinto chamado a entregar.
Os nossos Seminaristas
4 – SDM – Quantos são os seminaristas da nossa Diocese e onde se encontram?

Nuno – A nossa Diocese, além de mim, tem mais três rapazes que se preparam para um dia dizer sim a Deus no serviço à Igreja. O Pedro Dias, de Castelo Branco e o Miguel Serras, de Nisa, que actualmente frequentam o 1ºano do Curso Teológico, e o Miguel Coelho, de Montalvo – Constância, que realiza este ano um tempo forte de reflexão sobre o chamamento que Deus lhe faz a ser Padre Diocesano para depois, no próximo ano, começar os seus estudos Teológicos.
Estes nossos seminaristas encontram-se no Seminário de S. José, em Caparide – Lisboa, iniciando uma nova etapa na formação dos Sacerdotes da nossa diocese, que nos últimos anos estavam sob a responsabilidade do Seminário Maior de Coimbra.
Juventude e Vocação
5 – SDM – Na tua perspectiva, nascido numa família e pertencendo a um povo concreto, porque é que a descoberta da vocação sacerdotal não atrai os jovens dos nossos dias?

Nuno – Essa é uma questão que não tem uma resposta fácil. Vivemos numa sociedade onde tudo passa muito rápido e onde para muitos, as coisas apenas têm uma medida, a medida do próprio. Penso que vivemos um tempo em que os nossos “jovens adultos” não são forte referência de testemunho para os jovens e onde os mais velhos reagem sempre de um modo difícil para com quem se está a descobrir e a conhecer, para quem tem necessidades de errar e experimentar coisa novas! Há uns tempos ouvia-se muito um slogan que demonstra o que aqui digo: “Children see, children do”, ou seja, “As crianças vêem, as crianças fazem”! Penso que se passa de igual modo com os jovens de hoje! Como estes “jovens adultos” demoram um pouco mais de tempo a encontrar os seus caminhos, os jovens, do mesmo modo, sentem que podem “gozar” uma vida livre e sem valores, sem compromissos com a vida e com o mundo. Jovens, para quem o que interessa é o momento presente. Onde, tão erradamente o agora, o vazio e fugaz, é que contam. Parece que digo que a nossa juventude está perdida! Não é isso. Se há “gente” que acredita nos jovens da nossa diocese, eu faço parte dessa “gente”. E como “jovem adulto” que sou, procuro testemunhar que a vida deve ser vivida de forma apaixonada e tendo sempre em conta o “porquê”, “para quê” e “para onde” da vida. Ter sempre presente uma vida com sentido. Acho que passa pelos mais velhos a resolução dos muitos problemas com os quais hoje nos defrontamos, não só na Igreja, mas também no mundo. São a estes que devemos “pedir” a responsabilidade de indicar caminhos aos jovens e não de os marginalizar como se fossem os responsáveis pelas dificuldades de hoje, pelo seu modo desligado e irreverente de ver e viver a vida! Acredito que existe na nossa diocese muitos jovens que, alertados para o desafio que Deus lhes faz, não só colocariam a questão do ser Padre, como assumiriam o compromisso de reflectir esse convite da parte de Deus. Agora, o porquê da vocação sacerdotal não atrair os jovens dos nossos dias? Sinto que há um grande desconhecimento entre os mais novos acerca da vocação sacerdotal, do que é realmente ser Padre, Aos jovens de hoje, quando se lhes fala em Igreja ou em Padres, é vê-los reagir com uma postura defensiva, com algum distanciamento e alguma desconfiança. Sabem porquê? Porque temos dificuldade em falar bem dos nossos Padres e da Igreja, na família, na catequese, na escola… nas nossas comunidades cristãs. Se na paróquia falarem mal do Padre, qual é o jovem que depois de ouvir “raios e coriscos” sobre o padre aceita reflectir a questão de ser Padre? Nenhum! Pouco se fala acerca do Padre e da sua missão… e quando se fala não é suficiente para dar confiança aos jovens para assumirem o chamamento que Deus lhes faz. Aqui há uma missão muito importante que é própria da família, da escola, da catequese e, por último, mas muito importante, do Padre. Ao Padre é pedido testemunho vivo e apaixonado a sua entrega a Deus e ao serviço da Igreja. Que esteja presente na vida dos jovens das comunidades, que os acompanhe e os desafie a conhecer e a participar nas actividades, nos encontros paroquiais e diocesanos que são próprios para as suas idades. Em diálogo com alguns jovens com quem me vou cruzando tenho vindo a descobrir que desconhecem a existência de organismos juvenis, quer sejam diocesanos, missionários ou de outro movimento da Igreja, presentes na nossa diocese. Se não conhecem, não aparecem. Se não aparecem, não são desafiados. Se não são desafiados, nada há que os possa atrair e colocar em questão qualquer caminho que passe pela participação na vida cristã, o mesmo pela questão do ser Padre. Conhecendo a vida do Padre e da Igreja, cedo descobrirão uma Igreja diferente daquela que está presente na cabeça da maior partes dos jovens de hoje. Uma Igreja fechada, velha, alheia ao mundo de hoje e aos seus problemas. É preciso afastar os “maldizeres” sobre a Igreja e apresentar aos jovens uma Igreja igualmente jovem e rica. Rica na sua história, rica nas suas tradições, rica nos valores que assume importante para a dignidade da vida de todos os Homens. Nesta descoberta de uma Igreja para os tempos de hoje, é importante levar os jovens à descoberta da Pessoa de Jesus Cristo e da Sua Mensagem. É incrível, mas muitos os nossos jovens, com catequese concluída, não conhecem a vida da Pessoa de Jesus, não conhecem o Evangelho. Como é que alguém se apaixona pelo desconhecido? Como disse no início, é uma questão que não tem fácil resposta, mas que é preciso urgentemente ser reflectida.
Tempo forte de encontro e descoberta
6 – SMD- Vivendo a Semana dos Seminários, como podemos fazer dela (e não só nesta Semana!) um apelo constante para a gente jovem?


Nuno – Em primeiro lugar, falar-lhes do sentido de existir uma semana de oração pelos seminários. Chamar a atenção de que não é pelos seminários edifícios, mas pelos rapazes e padres que o constituem. Mais que um edifício, o seminário são os homens que nele vivem e fazem caminho, que se descobrem discípulos de Jesus Cristo! Falar-lhe o que é um seminário, para que serve e chamar-lhes a atenção de quem são os seminaristas na nossa diocese e, se possível, conhecer as suas histórias de vida e vocacional! Depois sim, chamar a atenção para os nossos seminários diocesanos e os organismos que com eles trabalham na procura de interpelar e desafiar os jovens a conhecer de modo mais profundo as suas realidades. Quem sabe se não seria um excelente local a visitar nesta semana pelos seminários? Dar-lhes a conhecer o tema deste ano (“Seminário, comunidade dos discípulos de Cristo e irmãos no presbitério”) e procurar algo dinâmico que os leve a uma aproximação com a especificidade da semana em si. Falar-lhes destas realidades e ajudá-los a rezar por elas, seria de certo uma forma muito rica, um forte apelo, que os poderia levar a olhar os seus caminhos de vida e a desbravá-los, despertos para esta realidade cristã.
7 – SDM – O que podes dizer aos jovens para os motivar a parar e a descobrir a sua vocação? Lança um desafio!

Nuno - Acho que o desafio é mesmo o de conhecer Jesus Cristo e a Sua Igreja. Depois envolver-se na dinâmica da paróquia (onde se encontra) e da diocese de modo a partilhar com outros os dons que Deus colocou ao seu dispor. Abrir o coração e baixar as barreiras para que Deus possa continuamente desafiá-los e estes o possam escutar. É importante, independentemente das vocações que se sentem chamados, responder a um conjunto de interrogações que os ajudarão a construir caminho e que sem as quais, andarão à deriva, sem as quais as suas vidas terão pouco de estrutura. Cada um é um e único. Cada um é chamado por Deus a uma vocação específica. No entanto há que ter a força e a coragem para assumir, primeiro para si e depois para os outros, a sua verdadeira vocação, o seu verdadeiro caminho de felicidade. Aos jovens não posso perder esta oportunidade de lhes dizer que hoje mesmo Deus os chama a um projecto de vida maravilhoso, quer seja ele no matrimónio, numa ordem religiosa ou mesmo no caminho do sacerdócio, no ser Padre. Se sentem o desejo de ser Padres, porque não? O desafio é o de não fecharem os corações só porque têm receio, inseguranças, dúvidas… procurem alguém que vos ajude a quietar o vosso coração, a parar e a dialogar com Deus de modo a serem fiéis na resposta aos desafios que Ele vos faz. Peço-vos à maneira do Papa Paulo VI: Jovens sede jovens. Que a vossa paixão e irreverência, própria dos jovens cristãos, pelo dom da vida, seja canalizada para o mundo de hoje, onde vocês são únicos e especiais, portadores de uma missão de amor e esperança: Jesus e a Sua Boa Nova. Sim, tu! Estas palavras e desafios são para ti que as lês. Já te questionaste a que caminho Deus te chama? Ser Padre, porque não? Porquê? Tu porque és diferente!
SDM - Obrigado pela tua colaboração e empenho e que Deus te ajude sempre a ser fiel à tua vocação.
Nuno - Eu é que agradeço o convite e a oportunidade de partilhar o que sou e tenho com todos vós. Um grande bem-haja!
Secretariado Diocesano das Missões
P. Agostinho Sousa